fwd: I miss internet 1.0
Ou a vez que me aproximei de uma utopia
Myspace. Bate-papo UOL. MSN Messenger. Blogger. Blogspot. Fotolog.net. Flogão. ICQ. Orkut. Popomundo. Geocities. AIM. Neopets. Ai, Gabi, só quem viveu sabe. Eu participei de praticamente todos essas redes sociais entre os anos 90-2000. A maior parte delas, senão todas, é o que hoje alguns cyber pesquisadores chamam de cidades fantasmas digitais: ambientes inabitados que outrora eram o fervo e o burburinho online, mas que agora são espaços ocupados por avatares fantasmas. São resquícios de um tempo e uma sociabilidade online que não existem mais.
Fui ungida na época dos blogs, em plenos anos 2000, na virada do milênio. A blogsfera, porém, veio anos depois da primeira vez que mexi num computador. Meu pai, engenheiro elétrico especializado em impressoras, descolou, talvez em 1998, um computador pessoal para nossa casa. Um PC. Mal sabíamos como esse objeto mudaria nossas vidas; como eu descobriria minha carreira como designer e ilustradora por causa dele. Um evento tão marcante que lembro nitidamente o primeiro site que acessei na vida. Instalamos por CD a operadora com o cachorrinho da IG e digitamos no teclado mecânico já naturalmente amarelado: www.cartoonnetwork.la.com. Hoje, um site inexistente. A própria Cartoon Network fechou consumida pela gestão cruel da Warner Bros Discovery. O fim de um sonho. Seria uma das primeiras profecias de final de mundo a passar por mim, mas não a última. O mundo sempre está acabando.
Meu irmão e eu jogávamos Pokémon Yellow em português pirateado por algum herói sem capa que vendeu o disquete hackeado na Rua Uruguaiana do centro do Rio de Janeiro. O ápice do cyberpunk tropical. Jogávamos Pokémon, Prince of Persia e tantos outros jogos pixelizados de forma pirata em disquetes. Será que você que tá lendo aqui sabe o que é um disquete?
Anos depois, já na adolescência e com alguns anos de literacia digital midiática desenvolvidos na marra, aprendi a codar para customizar o layout dos meus blogs, baixei a versão pirata do Adobe Photoshop CS3 para criar meus templates, descobri como editar fotografias da câmera Cybershot, aprendi a escrever com emojis ~^__^~~ e desenhar meus ídolos emo para postar no meu blog e no meu Deviant Art. Era o começo de uma fase divertida, anarquista (!) e despretensiosa que eu passava tardes e noites desenhando, projetando, sonhando. Não muito diferente do que eu faço hoje em dia.
Talvez os anos 2000 tenha sido a época que mais me aproximei da ideia de uma utopia. Esse êxtase pela promessa de uma democracia global, um mundo igualitário, divertido e infinito à distância de um mero clique via servidor do cachorrinho da IG. Um mundo de templates maximalistas, com gifs de estrelas piscando e layouts divertidos, inusitados, ousados. Aprender, codar e projetar num ambiente autodidata, no qual eu mesma ilustrava, codava e projetava meus próprios layouts de blog. Uma época que a internet já era regida por conglomerados de empresas tecnológicas dos Estados Unidos, mas que as redes sociais ainda engatinhavam com fóruns, comentários e jogos via sistema Flash. Um tempo que nossa navegação não era tão orientada por algoritmos, nem tão dominada pela lógica de ads ou publis.
Não me entenda mal. Tenho consciência de que a internet sempre foi de alguém: dos Estados Unidos e das big techs. A origem da internet enquanto tecnologia provém de uma pesquisa militar, afinal de contas. Porém, enquanto uso doméstico, o PC e a internet na América Latina começam pelos idos de 1990, mesma década do começo do neoliberalismo de Margaret Tatcher na Inglaterra. O capitalismo tardio que vemos hoje, eu diria que em seu ápice, demorou pouco mais de 15 anos para ser elaborado digitalmente como o conhecemos. De lá para cá, adentramos em tempos cada vez mais sombrios, digital e politicamente falando.

Lamento por tudo que a internet poderia ter sido, e por tudo que ela se transformou. Sinto saudades de uma época mais ingênua e experimental nessa rede mundial de computadores. Saudades de quando postávamos fotos em 600 x 840 pixels no Fotolog e só era permitido até 10 comentários por postagem. Saudades de quando eu desligava o computador e a vida online podia me esperar: a vida online permanecia offline. Saudades de ser capaz de desligar e desconectar de verdade. Saudades de comentar online sobre minha bobeiras do dia e não receber ataque de fandom tóxico de diva pop no Twitter ou de conta fake neonazi. Se antes a internet parecia o próximo passo para uma comunidade global, hoje vemos como as redes sociais se tornaram espaços para reforçar nacionalismos de extrema direita. Se antes os fóruns eram segmentados pelos temas ·.¸¸.·♩♪♫𝚂𝚒𝚖𝚙𝚕𝚎 𝙿𝚕𝚊𝚗 𝙵𝚊𝚗𝚜♫♪♩·.¸¸.· e 𝒢𝑜𝒪𝒹 𝒞𝒽𝒜𝓇𝐿𝑜𝒯𝓉𝐸 𝐹𝑜𝑅𝑒𝒱𝒶𝐻, hoje vemos fóruns que facilitam a organização de homens doentes em grupos incel, que orquestram planos criminosos online sem medo. É claro, crimes são orquestrados de forma online desde o começo da popularização da internet, mas os anos 2000 ainda era um tempo que, por exemplo, nazistas tinham vergonha de se mostrar a céu aberto. Já hoje…
Não sou apenas saudosista. Sou também a revolta por oscilarmos em espaços em que nos tornamos produtos, peças ignoradas ou impulsionadas pelo algoritmo (pago). Donos de empresas que usam seus conglomerados capitalistas tardios para reafirmar uma masculinidade frágil e deprimente. É a broderagem em nível cibernético, fascista e num cartel organizado, impulsionado por governos de extrema direita e pela lógica do crypto capitalismo. Escrevo com a revolta de ter sentido a utopia na ponta dos meus dedos, e é com eles também que agora me deparo com uma distopia digital, política, real. O virtual é real porque traz consequência reais. Anos após as fake news de 2018 no brasil, em que o Whatsapp não foi condenado por todo o lobby e marketing político que ativamente permitiu a favor da extrema direita brasileira, temos ainda consequências reais do que parecia o delírio de um meme tosco.
Facebook. Meta. Instagram. Bluesky. Snapchat. Tinder. Whatsapp. Youtube. Twitter. Todas essas redes sociais são farinhas do mesmo saco. Infelizmente, não existe pular de uma plataforma estadunidense pra outra de mesmo calibre porque é mesma ideologia imperialista. Se tem algo que design me ensinou, é que tecnologias não são neutras. Para toda tecnologia, há uma intenção. Por isso, cada vez mais é preciso ter soberania nacional tecnológica e digital. É preciso compromisso com a criação (e a manutenção) de plataformas próprias comprometidas com a democracia.
Como heavy user, ex blogueira, treinadora Pokémon veterana, designer e ilustradora digital, me manter revoltada é o que me dá gás para sonhar com utopias. Utopias online e offline. Em busca da manutenção do sonho, escrevo este primeiro texto da minha newsletter num espaço feito no meu tempo, do meu jeito e sem estar refém da loucura do algoritmo da semana. Sonhos são o começo de novas realidades, e aqui eu também estou sonhando. São tempos difíceis para os sonhadores, mas ainda estamos aqui ✍️






Fui blogueira por quase dez anos anos e também vivi essa utopia de democratização do conhecimento, acredito que até hoje os poucos que ainda fazem algo pra devolver a comunidade tenham vindo disso, das horas em foruns descobrindo novos meios de customizar o blogger, trocando cheats e dicas de tela, rpg escrito entre estranhos que só queriam fazer uma cena de chegada no acampamento meio sangue emocionante apesar dos "oi *sorrio*" ou talvez por causa deles. das vezes em que conversamos com indianos usando foto de estrela pop, ambos sabendo que eu não era nenhuma lily allen nem estava diante da avril lavigne, mas ainda assim... era leve e divertido, porque não existia algoritmo ou pressão pra ser barbie profissões em que não importa se escolheu ser de TI, como eu, ou do web design como você, a regra de ordem é ser visto e influenciar o público pra tentar ter um salário no final do mês. Amei seu texto e peço licença que estou fuçando aqui nesse seu cantinho, em uma sexta meio borocoxó - depois de uma quinta Grande Dia - ter encontrado seus pensamentos pensantes foi como uma brisa fresquinha depois de andar o dia todo na beira do mar sem protetor solar e garrafinha d'agua: me fez sentir vontade de respirar novamente e a isso serei eternamente grata, paula.
abraços!
ps: tome uma gelada a mais pra comemorar hoje a noite por mim!
Um dos traumas da minha infância foi jogar esse Pokémon Yellow traduzido para o português e ao vencer minha primeira batalha, o cara ao invés de dizer que o adversário desmaiou meteu um "RATATA MORREU". Isso moldou meu caráter.
Quanto às autopias, triste mesmo será o dia em que desistirmos delas. Prefiro seguir esperançoso.
Abraço, Paula!